“UMA BALA DE GOMA É UM REAL! ADOÇA A BOCA E A VIDA!”
- Day Abdalla
- 3 de set. de 2018
- 3 min de leitura

A primeira vez que vi Dona Luzia, foi bem aí nesse lugar, atravessava o Viaduto do Chá, ouvindo uma história inédita sobre o Edifício Joelma, mas meus olhos e atenção foram de encontro com dona Luzia, primeiro vi a mochila de rodinha rosa, de criança, mas não tinha nenhuma criança com ela, depois os olhos bateram na guia de deficiente visual deitada ao lado dela e enfim, nela. Estava sentadinha, bem assim, encolhidinha, uma mão segurando as balinhas com força e a outra mão na mochila rosa bem rente a perna dela, e foi quando finalmente ouvi ela falando esse slogan com uma animação admirável. Mais que imediatamente juntei todas as moedas, contei, dava. Pedi minha bala e ela me deu animada, pegou o monte de moeda, mas nem conferiu. Eu segui porque precisava, mas minha vontade era saber mais sobre Dona luzia, o porquê da mochilinha infantil, sem criança, a guia para deficientes visuais, ela parecia que enxergava, mas bem pouco. Não deu para saber. Segui, mas ela ficou na minha cabeça.
Há alguns dias voltei ao centro para fotografar e quando fui atravessar o viaduto, lá estava ela, exatamente do mesmo jeito, dizendo a mesma frase com o mesmo animo, mas com um cansaço no final. Atravessei, parei em frente a ela, fui procurar o dinheiro, mas acho que ela não me viu, pedi duas balas “Uma bala de goma é um real! Adoça a boca e a vida”, ela não ouviu.
Uma moça que fotograva ao lado viu a cena e sorriu para mim, como quem dizia que também tinha simpatia pela Dona Luzia. Pedi de novo, ela ouviu e prontamente me deu as duas balas, entreguei o dinheiro e hesitei ali na frente dela, querendo conversar, talvez pedir um retrato. Ela guardou as moedas na bolsinha vociferando algo que não dava para ouvir, mas pelo sorriso, acho que ficou contente com a venda em um dia parado como aquele.
Já estava perdendo a coragem, me afastando pra ir encontrar o resto do pessoal que fotografava comigo. Mas eu queria! Tinha acabado de encontrar dois palhaços que me deram o dia, e me encheram de vontade de passar essa energia adiante.
Voltei. “Qual o nome da senhora?” “Por que?”
Expliquei e ela desarmou “Luzia e o seu?”, "Prazer, Dayane!!! Eu perguntei o porquê, mas não foi por nada não!”
Proseamos e trocamos perguntas, matei um pouco da minha curiosidade e Dona Luzia gostou de alguém parar pra prosear e animar o ritmo de trabalho.
“A senhora tá sempre aqui?” “Sempre, quando não tem muito Sol. Se tem, eu fico ali embaixo”
Dona Luzia já tem idade, mora longe pra caramba, está ali todos os dias, faça chuva ou Sol, mas se tiver muito Sol, ela tem outro ponto. A mochilinha rosa ela conseguiu antes de ser descartada, era ideal pra carregar as balas, mas tá sempre lotada e pesadíssima, mesmo puxando pelas rodinhas. “Tem que batalhar né, Dayane?” “Tem sim, Dona Luzia”. “Mas eu gosto, to aqui trabalhando, não to pedindo esmola, mendigando”, disse apontando pro outro extremo do viaduto. No lugar que ela ia ficar, tinha uma pessoa sentada com a mão estendida. Entramos nessa discussão por um bom tempo e ela perguntou de mim, contei.
“Que bom que você parou aqui, Dayane! Gostei muito de conversar com você!”. Nem tínhamos encerrado a prosa e ela já estava grata. Eu estava grata desde o primeiro encontro que ela nem soube de mim. Essa bala com certeza adoça a vida, mas não é a bala, é a energia da dona Luzia.
A essa altura só tinha a gente ali, ela sentada e eu agachada na frente dela. Com certeza já tinha perdido o grupo todo, mas nem ligava, já tinha ganhado o dia mais uma vez, mas resolvi ir pra não atrapalha-la.
“Posso fazer um retrato da senhora?”
- Meu? Ela sorriu e já foi se ajeitando, se endireitou, arrumou as balas, mas os olhos iam involuntariamente pra todos os lados, sem muito controle – Pode! Claro! E Sorriu.
-Mas eu não posso sorrir muito não, meus dentes não estão prestando. “Está linda!”
Bati algumas, sem saber se tava bom, lutando com uma lente que distorcia tudo e não era pra isso, mas queria guardar esse momento.
- Ficou bom? Pegou as balas?, ela perguntou animada, mas sem olhar, confiou no meu julgamento.
Ainda não sei o quanto ela enxerga, mas sei que é bem guiada por ai. E que assim continue, adoçando a vida de quem a vê ali.
“ Depois eu posso trazer a foto pra senhora, se quiser!” , “Ah, eu quero sim! Dá pra revelar, né?
Me despedi, abracei ela e fui, sem saber muito bem pra onde e pouco importava. Sorrindo à toa por ai e satisfeita por ter tirado um sorriso da Dona Luzia.
Foi um prazer, Dona Luzia.
Agora que vocês já a conhecem e sabem onde encontra-la, quando passarem por lá já podem comprar algumas balas, afinal, adoça a boca e a vida!
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